Como o cérebro dos atletas reage quando corpo e mente entram em jogo ao mesmo tempo?

Pesquisa analisa os efeitos de tarefas físicas e mentais simultâneas na atividade cerebral e no desempenho de atletas.

Quando o corpo está sob pressão, o cérebro parece “roubar a cena”. A Teoria do Cérebro Egoísta explica que, em momentos de escassez de energia, o cérebro tende a priorizar seu próprio funcionamento para garantir que suas funções essenciais continuem ativas. Essa estratégia faz com que ele direcione a maior parte dos recursos energéticos para si mesmo, mesmo que isso cause uma diminuição no desempenho físico do corpo.

A análise foi realizada no NeuroSports Lab, que desenvolve pesquisas na área de neurociência no esporte e exercício físico. Foto: Guilherme Viana. 

Um estudo realizado pelas pesquisadoras Lara de Souza e Luciane Aparecida Moscaleski,  sob supervisão do Prof. Dr. Alexandre Moreira, analisou como o cérebro reage quando precisa executar, ao mesmo tempo, uma tarefa física e uma tarefa cognitiva. A atividade elétrica do cérebro foi monitorada por eletroencefalograma (EEG), com foco em diferentes faixas de frequência, e medidas de esforço físico e mental, tempo de resposta e precisão em tarefa de controle cognitivo, e desempenho físico foram registradas. 

Os resultados revelaram que os atletas conseguiram manter a precisão e o tempo de resposta nas tarefas cognitivas, mas a performance física foi impactada durante a tarefa simultânea, sugerindo uma priorização das funções cerebrais em relação ao corpo.

Desafio duplo

A pesquisa foi conduzida com 13 atletas que estavam treinando para competições por pelo menos 6 meses ininterruptos, entre 18 e 40 anos. Eles participaram de três sessões em laboratório: uma para familiarização e coleta de dados e duas experimentais. Em uma das sessões experimentais, realizaram as tarefas físicas e cognitivas de forma isolada; na outra, executaram as duas simultaneamente. A ordem foi randomizada para evitar interferências.

A tarefa física consistiu em pedalar durante 12 minutos em uma bicicleta ergométrica com carga ajustada para o peso e sexo dos participantes. Após um breve aquecimento, os atletas foram orientados a manter o maior ritmo possível durante todo o exercício, enquanto a cadência era registrada em intervalos regulares. 

Já a tarefa cognitiva consistiu em realizar uma versão adaptada da tarefa de Stroop, na qual os participantes precisavam identificar rapidamente a cor da palavra exibida na tela, ignorando o significado da palavra em si. 

Fotos da realização do experimento. Imagens cedidas pelos autores. 

Quando as tarefas eram feitas de forma simultânea, os dados de EEG mostraram um aumento das ondas cerebrais de baixa frequência (frequências lentas), associadas a atenção distribuída e controle motor, e uma redução das ondas mais rápidas, que modulam comportamentos como o raciocínio lógico, atenção seletiva e memória de trabalho (operacional). Além disso, houve um aumento da razão entre as ondas teta (frequência lenta) e beta (frequência alta) (TBR), marcador que pode indicar maior esforço atencional e carga cognitiva.

Os atletas não relataram maior percepção de esforço físico durante a tarefa combinada, mas um aumento perceptível de carga mental. Isso indica que o corpo pode manter uma sensação de esforço constante, mesmo com queda de desempenho físico, devido à redistribuição interna de recursos. A forma como os atletas modularam sua cadência durante o exercício físico sugere uma adaptação estratégica: ao perceber o aumento da exigência mental, eles naturalmente reduziram o ritmo físico. Interessantemente, este ajuste no ritmo ocorreu desde o início  da atividade simultânea. 

Cérebro egoísta

Os participantes perceberam um esforço mental maior durante o experimento, mas não sentiram maior esforço físico. Foto: Lívia Borges.

Foi possível observar que os resultados corroboram a Teoria do Cérebro Egoísta. Isso porque o ritmo de pedalada variou ao longo do tempo na condição de tarefa simultânea, e foi inferior ao da tarefa física isolada; enquanto na tarefa física isolada o desempenho foi mais constante e o ritmo mais alto, o que sugere que, diante da necessidade de realizar tarefas físicas e mentais ao mesmo tempo, o cérebro tende a direcionar mais energia e recursos para si, mesmo que isso reduza o desempenho físico, como ocorreu no estudo. 

O estudo também reforça a necessidade de pensar o desempenho esportivo não apenas do ponto de vista físico, mas também cognitivo e cerebral. Atletas que enfrentam situações de alta exigência mental, como as que ocorrem em competições oficiais,  seja nos jogos coletivos, modalidades de combate, modalidades de endurance,  ou esportes de precisão, podem se beneficiar ao treinar sob condições de esforço físico e mental simultâneo. 

Para os autores, treinos que simulam esses desafios, bem como o uso de tecnologias como EEG para monitorar o funcionamento cerebral, podem abrir novos caminhos para otimizar desempenho e prevenir sobrecargas mentais em contextos de alta pressão.

O estudo possibilita ver o desempenho esportivo também pela ótica cognitiva. Foto: Lívia Borges.

Mesmo com essas descobertas, é necessário ter cautela, visto que o número de atletas foi pequeno e envolveu várias modalidades, o que limita as generalizações. Estudos futuros devem confirmar se as medidas do EEG realmente capturam esse “conflito” cérebro-corpo de forma confiável. 

O artigo “The competition between brain and body: Does performing simultaneous cognitive and physical tasks alter the cortical activity of athletes compared to performing these tasks in isolation?” foi publicado pela revista Physiology & Behavior e pode ser acessado na íntegra clicando aqui.

Editoria: 
Texto: 
Guilherme Ike
Estagiário sob Supervisão de Paula Bassi
Seção de Relações Institucionais e Comunicação

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