Neuromodulação pode ajudar na avaliação de atletas de esportes de colisão

Jogadoras de Rugby Sevens participaram de estudo da EEFE sobre atividade cerebral e a resposta neural à neuromodulação.

Em esportes de contato/colisão como o rugby, o futebol americano, o futebol e o futsal,  é comum que os atletas sofram colisões enquanto competem, inclusive impactos na região da cabeça ou em outras áreas do corpo que causam “movimento” brusco do encéfalo no crânio. As lesões ocasionadas por esse tipo de choque repetido nem sempre apresentam sintomas visíveis de forma imediata ou em curto prazo, mas, a longo prazo, podem causar consequências sérias. Por conta disso, Vinicius Godoi Fernandes, sob orientação do Prof. Dr. Alexandre Moreira, realizou uma pesquisa com jogadoras de elite do Rugby Sevens para investigar como a participação em treinamento e competições que se caracterizam por frequentes e repetidas colisões podem afetar o funcionamento cerebral ao longo de uma temporada competitiva.

Pesquisa contou com a participação de atletas de Rugby Sevens. Foto à direita: Mike Lee/World Rugby ; Foto à esquerda: Reprodução/Rugby Brasil

As atletas realizavam uma tarefa cognitiva enquanto os sinais de eletroencefalograma (EEG) eram  registrados; posteriormente, eram submetidas à  Estimulação Transcraniana por Corrente Contínua de Alta Definição (ETCC-HD), uma técnica de neuromodulação, e novamente realizavam a tarefa cognitiva. Ao final do estudo, o pesquisador observou que, com o avanço dos treinos e competições, houve uma diminuição na resposta da atividade cerebral durante a tarefa cognitiva após a aplicação da ETCC-HD. Além disso, a atividade do córtex cerebral se mostrou mais lenta (lentificação da atividade cerebral), uma possível consequência dos impactos repetidos de cabeça .

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Equipamento de ETCC-HD do Neurosports Lab utilizado no estudo.

Coleta de dados com as Yaras do Rugby

O experimento foi realizado com 21 jogadoras profissionais de Rugby Sevens, uma modalidade que é praticada com equipes de sete jogadoras. As atletas eram da Seleção Brasileira de Rugby, conhecida como Yaras, das categorias sub-20 e adulta. Entre os critérios para participar do estudo estavam: competir em nível estadual, nacional ou internacional; estar treinando regularmente nos últimos seis meses; ser neurologicamente saudável; e não apresentar contraindicações conhecidas para o uso de neuromodulação.

Cada jogadora participou individualmente de três sessões no Neurosports Lab da EEFE, duas antes do início das competições e uma após, com cinco meses de diferença. A primeira sessão tinha o intuito de familiarizar as atletas com os métodos utilizados no estudo. 

Atletas da Seleção Brasileira de Rugby Sevens participaram do estudo - Foto: Reprodução/Brasil Rugby

Na segunda sessão, as voluntárias passaram pelo procedimento que incluía a tarefa cognitiva, registro dos sinais de EEG, e aplicação da  neuromodulação. Para a coleta, as atletas foram divididas em dois grupos: um recebeu a ETCC-HD ativa e o outro uma simulação (sham), que funcionava como placebo. Participantes e pesquisador não sabiam qual tipo estava sendo aplicado.

Como forma de estimular  a atividade cerebral para observá-la, as jogadoras realizaram uma tarefa  de Stroop em um computador, antes e depois de receber a neuromodulação. A tarefa envolve quatro palavras (amarelo, azul, verde e vermelho) exibidas de maneira randomizada na tela do computador. As jogadoras foram instruídas a pressionar um dos quatro botões coloridos (A, D, J ou L) no teclado, correspondendo às cores amarelo, azul, verde e vermelho, respectivamente. A resposta correta é o botão que corresponde à cor de preenchimento da palavra na tela. 

A tarefa neste experimento envolve a identificação de palavras relacionadas à cor que poderiam aparecer em condições congruentes ou incongruentes com a cor da fonte. Com relação às condições congruentes, a palavra escrita combina com a cor utilizada (ex: a palavra “verde” aparece escrita na cor verde). Para as condições incongruentes, havia discrepância entre a palavra e a cor na qual ela aparecia pintada (ex.: a palavra “amarelo” aparecia escrita na cor verde). Enquanto realizavam a tarefa, os sinais de EEG eram registrados e posteriormente era analisada a dinâmica das ondas cerebrais das atletas (atividade oscilatória). 

Representação do teste de Stroop.

A Estimulação Transcraniana por Corrente Contínua em Alta Definição foi aplicada durante 20 minutos. Para realizar essa técnica e a eletroencefalografia, as jogadoras usaram uma touca com eletrodos acoplados. A última sessão, feita cinco meses após as duas primeiras, seguiu exatamente o mesmo protocolo.

A área modulada foi a região do córtex pré-frontal dorsolateral, com a estimulação anódica sobre o hemisfério esquerdo. Segundo o pesquisador, a escolha dessa região “se deve à sua influência nas funções executivas, incluindo o controle inibitório, memória operacional (de trabalho) e flexibilidade cognitiva. Sendo essencial para várias funções como tomada de decisão, controle executivo e regulação emocional”. A ativação dessa região contribui para o planejamento, raciocínio lógico e memória de trabalho, podendo ainda regular o estresse e a pressão enfrentados pelos atletas em competições intensas”, explica.

Montagem dos eletrodos:  estimulação anódica (hemisfério esquerdo) FFC3h   (2 mA); estimulação cátódica: FCC5h (ground), FCC1h, AFF5h, AFF1h   (-0.5mA cada eletrodo)

 

Campo elétrico gerado pela montagem dos eletrodos da ETCC-HD. Imagem cedida pelo pesquisador.

Os testes feitos após cinco meses do início da temporada de competições e treinos mostraram mudanças significativas no comportamento cerebral das jogadoras. Houve uma diminuição da responsividade da atividade cortical à neuromodulação, assim como o aumento da atividade das frequências lentas e a diminuição da atividade das frequências rápidas do córtex cerebral. 

Vinícius explica que essas alterações podem estar relacionadas às colisões e impactos repetidos de  cabeça, alterando a atividade neuronal. “Alterações como uma resposta reduzida à neuromodulação e a lentificação  da atividade cerebral podem indicar, por exemplo,  fadiga cognitiva, um reflexo de sobrecarga cerebral devido a períodos prolongados de estresse e/ou impactos repetidos”. 

“Além disso, podem ser indícios de comprometimento neurológico, com danos acumulados afetando funções cognitivas críticas e aumentando o risco de lesões, já que o tempo de reação e o processamento de informações ficam prejudicados. Em longo prazo, essas condições poderiam levar a transtornos cognitivos, como demência ou outras condições neurodegenerativas”, o que ainda precisa ser melhor investigado, completou.

Foto: Reprodução/Brasil Rugby

O uso da Estimulação Transcraniana por Corrente Contínua de Alta Definição pode ser utilizado não somente como um procedimento para a avaliação da atividade elétrica cortical, como foi realizado no estudo, mas também há indicações recentes de que a estratégia poderia ser uma forma de mitigar os efeitos negativos dos impactos repetidos de cabeça, provendo alterações benéficas na atividade cerebral, podendo, assim, ajudar a prevenir problemas neurológicos futuros.

“A técnica pode aprimorar a eficiência neuronal ao melhorar funções cognitivas essenciais, como atenção e processamento de informações, cruciais para respostas rápidas durante competições. Ela também auxilia na proteção contra alterações cerebrais associadas a impactos repetidos, o que reduz o risco de lesões crônicas e facilita a recuperação de traumas. Outra vantagem é a possibilidade de monitoramento contínuo da função cerebral, que permite avaliar respostas cognitivas ao longo da temporada e identificar precocemente possíveis alterações relacionadas aos impactos de cabeça”, avalia o pesquisador.

A neuromodulação pode aprimorar a eficiência neuronal ao melhorar funções cognitivas essenciais, como atenção e processamento de informações, cruciais para respostas rápidas durante competições. - Foto: Mike Lee/World Rugby

A pesquisa, intitulada “A dinâmica das bandas de frequência cerebrais e resposta à neuromodulação durante tarefa cognitiva em atletas de rugby sevens ao longo de uma temporada esportiva” está disponível de maneira completa do site de teses da usp:

https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/39/39135/tde-11062024-104332/publico/Vinicius_Godoi_Fernandes_original.pdf

Além disso, também foi publicado um artigo sobre o estudo na revista Current Psychology. Para ler, acesse o link: https://link.springer.com/article/10.1007/s12144-024-06682-2

Por Giulia Rodrigues

Estagiária sob supervisão de Paula Bassi

Seção de Relações Institucionais e Comunicação

Editoria

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