Moléculas associadas à diabetes podem contribuir para o câncer de mama

Artigo de revisão analisou microRNAs desregulados em pacientes com diabetes tipo 2 verificando suas associações com o desenvolvimento do câncer de mama.

A diabetes está entre as principais doenças crônicas que contribuem para a mortalidade global, afetando mais de 800 milhões de pessoas. A maioria dos casos corresponde ao tipo 2, em que o organismo desenvolve resistência à insulina. Essa condição pode provocar lesões nos vasos sanguíneos e aumentar o risco de doenças cardiovasculares, renais e até mesmo de câncer, que também figura entre as maiores causas de óbitos no mundo. A relação entre essas duas enfermidades tem sido amplamente investigada nos últimos anos, explorando os mecanismos fisiopatológicos, celulares e moleculares envolvidos nessa associação.

MicroRNAs podem ser a chave para tratamentos mais eficazes. Foto: Laboratório de Bioquímica da EEFE-USP, tirada por Lívia Borges.

Pesquisadores do Laboratório de Bioquímica e Biologia Molecular do Exercício, da EEFE-USP, sob orientação da Profª. Drª. Edilamar Menezes de Oliveira, realizaram uma revisão de literatura sobre a conexão da diabetes tipo 2 com o câncer de mama em nível molecular, especialmente por meio dos microRNAs. Como essas moléculas regulam diversos processos biológicos, o estudo buscou compreender como sua desregulação em indivíduos diabéticos pode sinalizar e até contribuir para o desenvolvimento do câncer.

Os pesquisadores identificaram 9 microRNAs desregulados tanto na diabetes tipo 2 quanto no câncer de mama. Isso sugere que essas moléculas desempenham um papel importante na regulação de processos biológicos, como a proliferação celular e a progressão do câncer. O estudo destaca a relevância dos microRNAs para melhorar o prognóstico do câncer de mama em pacientes diabéticos, apontando para o desenvolvimento de terapias gênicas específicas que possam aumentar a eficácia dos tratamentos tradicionais e prolongar a expectativa de vida.

 

Participação dos microRNAs na diabetes tipo 2

Os microRNAs (ou miRNAs) são responsáveis pela regulação da expressão dos genes. Ou seja, eles ajudam a controlar quais genes são ativados ou desativados em uma célula, conduzindo processos biológicos importantes, como o crescimento celular, o ciclo celular e a apoptose (morte celular programada). Por isso, alterações em seus níveis podem causar grandes impactos na saúde.

Na diabetes tipo 2, há um aumento constante dos níveis de glicose no sangue, causado pela resistência à insulina. Isso acontece porque os tecidos do corpo, como o fígado, os músculos e o tecido adiposo, não respondem adequadamente a esse hormônio. Trata-se de uma doença complexa, cujas causas envolvem diversas partes do organismo. Na área genética, estudos de associação genômica de grande escala identificaram mais de 500 locais no genoma relacionados à diabetes tipo 2. Essa descoberta sugere que a genética tem um papel fundamental tanto na produção de insulina quanto na progressão da doença.

Pesquisas evidenciam o papel crucial dos microRNAs como biomarcadores. Foto: Laboratório de Bioquímica da EEFE-USP, tirada por Lívia Borges.
 
Exames clínicos encontraram diversos microRNAs desregulados em indivíduos com diabetes tipo 2 ou em estágios pré-diabéticos. Isso mostra o grande potencial dessas moléculas como biomarcadores, ou seja, elas podem ser utilizadas para identificar pessoas com risco de desenvolver a doença antes que ela evolua.
 

Um estudo, por exemplo, observou o comportamento do microRNA-126 em indivíduos saudáveis, diabéticos e pré-diabéticos, concluindo que havia reduções significativas dessa molécula nos pacientes com a doença. O miRNA-126 está associado à regulação do endotélio, uma camada celular que controla a pressão arterial e protege os vasos sanguíneos. Quando os níveis dessa molécula estão reduzidos, ocorre uma disfunção endotelial, o que pode contribuir para o desenvolvimento de complicações vasculares em pessoas com diabetes tipo 2, como AVC, aneurismas e doenças cardíacas.

Outra pesquisa encontrou níveis elevados do microRNA-375 em pessoas com diabetes tipo 2 - uma molécula que afeta diretamente o pâncreas, especialmente as células responsáveis pela secreção de insulina. A secreção de insulina é o processo pelo qual esse hormônio é liberado pelas células pancreáticas, permitindo o controle da glicose. Quando o miRNA-375 está superexpresso, a liberação de insulina é comprometida, causando a resistência à insulina e a hiperglicemia (aumento contínuo do açúcar no sangue).

Esses são apenas alguns exemplos do papel dos microRNAs, mas as pesquisas genéticas mostram que inúmeras dessas moléculas estão desreguladas em pacientes com diabetes tipo 2 ou em estágios pré-diabéticos. A superexpressão ou a redução dos microRNAs está associada a diversas complicações nesses indivíduos.

 

Participação dos microRNAs no câncer de mama

O câncer de mama se origina com a multiplicação desordenada de células anormais na mama, que se tornam células cancerígenas e formam tumores malignos capazes de invadir outros órgãos. Essa enfermidade apresenta uma grande diversidade no nível celular e genético, o que orienta o uso de diferentes estratégias de tratamento para aumentar sua eficácia e minimizar os efeitos colaterais.

O câncer é uma doença muito complexa que provoca profundas alterações biológicas nos pacientes. Estudos mostram que muitos processos genéticos são comprometidos nas fases iniciais do câncer de mama, desencadeando uma cascata de eventos prejudiciais no nível celular e molecular. Essas mutações genéticas dão origem às “marcas do câncer”, processos que os tumores utilizam para crescer e se espalhar.

As pesquisas genéticas buscam compreender o papel dos microRNAs nessas “marcas do câncer”, investigando as modificações na expressão genética e como essas moléculas ativam ou silenciam genes durante o desenvolvimento do câncer de mama. Como essa doença é caracterizada pela expressão anômala de múltiplos genes e miRNAs, a exploração dos microRNAs como biomarcadores e alvos terapêuticos pode ser muito valiosa na área oncológica.

 
 
Os microRNAs mostraram-se muito importantes na prevenção e tratamento do câncer. Foto: Laboratório de Bioquímica da EEFE-USP, tirada por Paula Bassi.
 

O microRNA-145, por exemplo, impede a divisão celular descontrolada e previne comportamentos celulares que podem levar ao câncer, reduzindo o crescimento de células tumorais. No câncer de mama, estudos evidenciaram uma baixa expressão dessa molécula em pacientes acometidos pela doença. Ou seja, ao comparar tecidos mamários saudáveis e cancerígenos, os níveis de miRNA-145 eram significativamente menores nos tecidos não sadios, o que favorece a evolução e a disseminação do câncer.

Pesquisas também apontam o microRNA-10b como um biomarcador relevante, já que ele atua na regulação de genes ligados ao desenvolvimento e à migração celular. Em experimentos com células de câncer de mama, observou-se que o miRNA-10b apresenta níveis elevados nas células metastáticas - aquelas com capacidade de se espalhar pelo corpo humano. Isto é, sua desregulação estimula o avanço da doença, o que torna o miRNA-10b um biomarcador importante para prever a agressividade e a progressão do câncer de mama.

Diversos microRNAs estão desregulados em processos celulares e fisiopatológicos relacionados ao câncer de mama. A superexpressão de alguns miRNAs pode, por exemplo, induzir a proliferação de células cancerígenas, prolongar a sobrevivência de células tumorais, estimular a metástase e favorecer a multiplicação e divisão descontrolada dessas células. Por outro lado, a redução na expressão de certos miRNAs pode comprometer sua capacidade de controlar a invasão do câncer ou de induzir a morte das células tumorais.

 

MicroRNAs compartilhados entre a diabetes e o câncer de mama

Com base na revisão de literatura, os pesquisadores do Laboratório realizaram uma análise abrangente que identificou 52 microRNAs desregulados na diabetes tipo 2 e 46 no câncer de mama. A investigação revelou 9 miRNAs compartilhados em ambas condições. Esses achados reforçam o potencial dessas moléculas para contribuir com a progressão da diabetes tipo 2 e para o desenvolvimento do câncer de mama em pacientes diabéticos.

 
 

Múltiplos microRNAs desregulados podem contribuir com a progressão da diabetes tipo 2 e o câncer de mama. Foto: Laboratório de Bioquímica da EEFE-USP, tirada por Lívia Borges.

O microRNA-21 é um dos mais estudados por sua alta expressão em vários tipos de câncer e seu envolvimento com a diabetes. Trata-se de um dos microRNAs mais abundantes no organismo, e está envolvido com a apoptose, regulação de inflamações, crescimento celular e o ciclo de vida das células. Em pacientes diabéticos, sua superexpressão causa inflamação crônica, resistência à insulina e fibrose em tecidos. No câncer de mama, o miRNA-21 também aparece em níveis elevados, favorecendo a sobrevivência das células cancerígenas, seu crescimento e a invasão tumoral.

Outro microRNA relevante é o miRNA-34a, que atua no envelhecimento celular natural e no metabolismo. Além disso, está associado a diversos processos biológicos: replicação do DNA, ciclo celular, apoptose, desregulação transcricional e outras vias de sinalização. No câncer de mama, essa molécula atua na prevenção da metástase, mas sua redução facilita o crescimento celular descontrolado. Já na diabetes tipo 2, auxilia na regulação das células pancreáticas, embora níveis elevados comprometam a produção de insulina e a conversão de nutrientes em energia.

 

Os microRNAs podem ser a chave para tratamentos mais eficazes

A identificação de 9 microRNAs compartilhados entre a diabetes tipo 2 e o câncer de mama relaciona-se com o fato de que essas moléculas regulam muitas funções essenciais no corpo humano. Por isso, quando um indivíduo desenvolve diabetes, a desregulação de seus miRNAs afeta processos biológicos importantes e provoca alterações significativas. Consequentemente, a superexpressão ou a redução dessas moléculas pode contribuir para o surgimento do câncer de mama nesse paciente, já que foram encontradas vias afetadas comuns em ambas as doenças.

Os pesquisadores da EEFE ressaltam que mais estudos são necessários para compreender detalhadamente como os microRNAs podem favorecer o desenvolvimento do câncer de mama em pacientes diabéticos. Contudo, essas pequenas moléculas já demonstram seu grande potencial como biomarcadores, pois, ao analisar seus níveis de expressão no organismo, pode-se prever o surgimento dessas doenças antes que evoluam para casos mais graves.

 

MicroRNAs regulam diversos processos biológicos, podendo ajudar no tratamento de várias doenças. Foto: Laboratório de Bioquímica da EEFE-USP, tirada por Lívia Borges.

 

Os microRNAs também podem, inclusive, auxiliar tanto em tratamentos tradicionais quanto em terapias genéticas mais específicas. Essas possibilidades beneficiam os pacientes com abordagens mais eficazes e com menos efeitos colaterais, contribuindo para o aumento da expectativa de vida de pessoas com diabetes tipo 2 e câncer de mama.

O estudo do Laboratório de Bioquímica, intitulado Dysregulated microRNAs in type 2 diabetes and breast cancer: Potential associated molecular mechanisms, está disponível na íntegra no seguinte link: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/38983808/.

 

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Editoria: 
Texto: 
Lívia Borges
Estagiária sob Supervisão de Paula Bassi
Seção de Relações Institucionais e Comunicação

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