Estudo da EEFE verificou como o nível de diferentes práticas podem ou não influenciar na aprendizagem de uma tacada do golfe.
Ao aprender uma nova habilidade motora, muitos fatores externos e internos podem influenciar o desempenho na atividade, seja para melhor ou pior. Por isso, durante o aprendizado, é importante equilibrar as condições de prática da tarefa em relação ao nível de experiência de cada pessoa. A ideia é oferecer um desafio adequado na medida certa: nem fácil demais, nem muito difícil.
Aprender novas habilidades motoras exige da nossa cognição e do físico. Foto: Laboratório de Comportamento Motor (Lacom) da EEFE-USP, tirada por Lívia Borges.
Para compreender esse fenômeno, um estudo da EEFE – conduzido por Marcos Antônio Arlindo Soares e orientado pelo Prof. Dr. Luciano Basso – investigou como diferentes níveis de prática e estratégias podem afetar a aprendizagem motora da técnica do putting do golfe. A pesquisa procurou entender quais condições favorecem o desempenho de iniciantes e experientes nessa modalidade.
Participaram do estudo 60 voluntários sem experiência prévia no golfe, que realizaram diferentes experimentos para avaliar o desempenho motor e cognitivo. Os participantes foram divididos em dois grupos: um que realizou os exercícios em bloco (repetições do mesmo movimento várias vezes antes de passar para um mais difícil) e outro grupo que realizou os exercícios de forma aleatória.
Contrariando as expectativas teóricas, ambos os grupos mostraram estar no mesmo nível de dificuldade e desempenho motor. Os resultados evidenciaram lacunas no modelo teórico aplicado, trazendo novas contribuições para a ciência e incentivando mais estudos. Além disso, reforçam que a aprendizagem motora, por envolver humanos, pode ser bastante subjetiva – mostrando que a mesma teoria pode gerar conclusões diferentes.
Modelo do ponto de desafio e a aprendizagem motora
A aprendizagem motora refere-se à capacidade do ser humano de executar e aprimorar movimentos do corpo. É um fenômeno que ocorre por meio da prática, da orientação e da experiência. Além disso, muitos fatores cognitivos, físicos e ambientais podem influenciar a proficiência de uma pessoa em determinada tarefa motora.
No seu estudo, o pesquisador utilizou um referencial teórico que explica outras influências sobre a aprendizagem motora: o Modelo Ponto de Desafio. Segundo essa proposta, o aprendizado só é otimizado quando há desafio de dificuldade adequada – nem fácil e nem difícil demais. Ou seja, as características da tarefa exigida e suas condições ambientais devem ser ideais para proporcionar um desafio equilibrado ao indivíduo, promovendo o engajamento e o desenvolvimento motor.
Um desafio equilibrado pode proporcionar um ambiente saudável e positivo à aprendizagem. Foto: ParGolf.
Para ajustar o nível de dificuldade do desafio, foram propostos dois tipos de práticas:
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Prática por blocos: repetição contínua de uma tarefa antes de passar para a próxima, com dificuldade gradual. Teoricamente, esse formato permite melhor aquisição de uma habilidade motora em iniciantes.
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Prática aleatória: é a alternância entre diferentes tarefas motoras durante uma mesma sessão de treinamento. De acordo com o modelo, essa prática seria mais benéfica para indivíduos experientes por ajudá-los na retenção e na transferência da atividade motora.
A retenção é a capacidade de consolidar o conhecimento na memória, enquanto a transferência é a competência de passar a experiência obtida para tarefas diferentes. Equilibrar o nível de desafio por meio destas duas práticas é essencial para garantir o aprendizado gradual e não sobrecarregar o praticante.
O modelo aplicado em uma tacada do golfe
O pesquisador investigou os efeitos dos tipos de prática em dois ciclos de aprendizagem motora do putting do golfe. O putting é a tacada final realizada para rolar a bola até o buraco, um movimento curto que exige muita precisão, paciência e habilidade do jogador – atributos que o tornaram a escolha ideal para os objetivos da pesquisa.
O putting exige muita concentração e força na medida certa. Foto: Laboratório de Comportamento Motor (Lacom) da EEFE-USP, tirada por Lívia Borges.
Participaram do estudo 60 indivíduos inexperientes no golfe. Eles foram divididos em um grupo de prática por blocos (1) e outro de prática aleatória (2), com 30 pessoas cada. No primeiro dia de testes, o grupo 1 executou três séries de 12 tentativas cada, com distâncias fixas de 2, 2,5 e 3 metros, em ordem crescente. O grupo 2 realizou as mesmas tacadas, mas com distâncias aleatorizadas.
No segundo dia, os participantes realizaram a fase de retenção com dois blocos de 12 tentativas na distância de 2,5 m. Depois, a próxima etapa foi a fase de transferência, com novamente dois blocos de 12 tacadas, mas numa nova distância para todos: 3,5 m.
Modelo ilustrativo do experimento que mostra as distâncias demarcadas em relação ao alvo. Foto: fornecida pelo pesquisador.
Após alguns dias, iniciou-se a segunda parte do experimento com os mesmos participantes, agora considerados experientes na tarefa de putting do golfe. A divisão dos grupos foi mantida e os voluntários realizaram os mesmos procedimentos da primeira parte do teste em aquisição, retenção e transferência.
Ao final de cada dia – quatro no total –, os participantes responderam a um questionário de carga de trabalho que avaliou a percepção individual quanto às exigências físicas e cognitivas das tarefas. A ferramenta analisou os voluntários em seis dimensões: mental, física, temporal, desempenho, esforço e frustração.
Resultados do modelo na aprendizagem motora
Contrariando a hipótese teórica, a análise dos dados mostrou que ambos os grupos tiveram bons resultados. O pesquisador acredita que os dois desafios, por blocos e randômico, influenciaram positivamente na aprendizagem dos grupos de iniciantes. No segundo experimento, a suposição era de que a prática aleatória proporcionaria melhor desempenho motor para os experientes. No entanto, demonstrou-se que esses indivíduos foram pouco desafiados, ambos os grupos mantiveram seu desempenho e o tipo de prática não parece ter sido um fator relevante para afetar a dificuldade do exercício.
Os participantes tiveram um bom desempenho no putting, contrariando a base literária. Foto: Golf Monthly.
Quanto aos resultados dos questionários, a teoria sugeria maior sobrecarga mental em pessoas que realizam a prática aleatória. Contudo, não se encontraram diferenças significativas do impacto cognitivo em ambos os grupos. Aqueles que realizaram a prática por blocos demonstraram diminuição da sobrecarga conforme o avanço do experimento, enquanto os participantes da prática randômica mantiveram o mesmo nível de sobrecarga ao longo dos testes.
Desafios na compreensão da aprendizagem motora
Por contrariar as afirmações do modelo teórico, o pesquisador afirma que seu estudo traz amostras interessantes e contribui para a discussão da aprendizagem motora. O primeiro detalhe está nos próprios participantes, pois a pesquisa se diferencia de outras por manter os mesmos aprendizes e oferecer-lhes a oportunidade de alcançarem maior proficiência.
Além disso, evidenciou que todos os voluntários foram desafiados durante o processo de aprendizagem do putting, independentemente da estrutura de prática utilizada (por blocos ou aleatória). Ou seja, ambos os grupos mostraram estar no mesmo nível de dificuldade e desempenho. De fato, pesquisas com seres humanos podem ser muito subjetivas e nem sempre corresponder aos referenciais teóricos.
A aplicação do Modelo Ponto de Desafio (MDP) traz resultados divergentes em várias pesquisas na área. Foto: Golf Ibiza.
O pesquisador afirma que mais pesquisas são necessárias para compreender as lacunas do Modelo Ponto de Desafio (MDP). Esse fato mostra que o nível de proficiência e a estrutura de prática não são, por si só, os maiores fatores de modulação do desafio. A aprendizagem motora envolve muitos elementos e as investigações futuras devem manter essa questão em mente.
A tese, intitulada "Dificuldade da tarefa e nível de proficiência em dois ciclos de aprendizagem do putting do golfe: um estudo sob a ótica do modelo do ponto de desafio", está disponível integralmente no Banco de Teses da USP.