Estudo da EEFE aborda uso de exercício físico em terapias gênicas

Doenças cardiovasculares são a principal causa de morte no mundo. Diversos fatores dificultam seu diagnóstico e tratamento, mas o avanço de pesquisas que investigam essas doenças até mesmo em nível molecular pode mudar a situação. Um artigo de revisão publicado pela EEFE-USP analisou trabalhos que discutem como as doenças cardiovasculares modulam expressões de RNAs circulares (circRNAs), bem como a possibilidade do exercício físico como uma terapêutica não-farmacológica.

Pesquisas analisam como o exercício físico pode regular moléculas alteradas por doenças cardiovasculares - Foto: Marcos Santos/USP Imagens

 

Atuação dos RNAs circulares no funcionamento das células

Os RNAs circulares são um tipo de RNA não-codificante, assim como os microRNAs (miRNAs) e os RNAs longos (LncRNAs). No passado, acreditava-se que essas moléculas não possuíam função para o organismo, mas a evolução da biologia molecular permitiu conhecer o importante papel que elas desempenham para o funcionamento das células, regulando a expressão gênica e proteica. 

Figura elaborada pelo autor da pesquisa ilustra as principais diferenças entre LncRNA, microRNas e CircRNAs. 

Por causa de seu formato, os RNAs circulares têm uma meia-vida maior. Ou seja, essas moléculas demoram mais para serem degradadas e desaparecerem no organismo. Isso porque suas extremidades unidas não possibilitam a ação de exonucleases, enzimas que promovem a degradação das moléculas, como ocorre com os microRNAs e LncRNAs.

Uma de suas tarefas principais é absorver microRNAs, ação conhecida como “esponja de microRNA”, modificando a quantidade e função deles, o que impacta na expressão gênica e proteica. Além disso, determinadas células e tecidos possuem RNAs circulares específicos. Dessa forma, ao encontrar uma expressão aumentada dessas moléculas na corrente sanguínea, por exemplo, é possível identificar onde ela está sendo produzida.

Ao encontrar uma expressão aumentada de RNAs circulares, é possível identificar onde eles estão sendo produzidos - Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

 

Importância dos estudos para o futuro da medicina

Todas essas características potencializam a capacidade do RNA circular como biomarcador. Essa função serve para identificar doenças, o risco de desenvolvê-las, ou mesmo o estágio em que uma patologia está e a forma mais adequada de tratamento.

Outra particularidade importante dos RNAs circulares é que eles são conservados entre as espécies. Um mesmo RNA circular encontrado em um rato ou camundongo pode existir em seres humanos, permitindo que estudos feitos com animais possam ser replicados em pessoas, já que será possível prever como a molécula irá se comportar.

Um mesmo RNA circular encontrado em um rato ou camundongo pode existir em seres humanos, permitindo que estudos feitos com animais sejam replicados em pessoas - Foto: Paula Bassi

Esses achados contribuem para o avanço da medicina em diferentes áreas, como a Medicina Translacional, que visa levar a pesquisa laboratorial para a prática clínica, acelerando a produção de recursos como vacinas, por exemplo. Na Medicina de Precisão, essas informações podem ser relevantes para o mapeamento genético do indivíduo, de forma a indicar diagnósticos e tratamentos mais precisos. 

Esses métodos, apesar de recentes, já auxiliaram a criação de terapêuticas importantes, como terapias gênicas para o tratamento de câncer ou mesmo a vacina Pfizer-BioNTech contra a Covid-19, que utiliza a tecnologia de RNA mensageiro (mRNA).

Quando se trata dos RNAs circulares, os estudos estão só começando. A literatura analisada pelo artigo de revisão evidenciou que a hipertensão arterial, infarto do miocárdio, doença arterial coronariana e aneurisma da aorta abdominal afetam expressões da molécula. Contudo, para que os dados possam ser traduzidos na prática clínica é preciso investigar mais.

Exercícios físicos como parte do tratamento

A revisão ajudou a fundamentar o projeto de doutorado de Victor Hugo Antonio Joaquim, sob orientação da Profa. Dra. Edilamar Menezes Oliveira e que será executado no Laboratório de Bioquímica e Biologia Molecular do Exercício, na EEFE-USP. A pesquisa analisará como o exercício físico pode ser uma terapêutica capaz de regular os RNAs circulares alterados pela hipertensão arterial.

Estudos sobre o tema ainda são recentes, principalmente na área de Educação Física. “O treinamento físico como uma terapêutica não-farmacológica já foi observado em outros contextos, mas há pouco sobre os RNAs circulares nesse sentido. Realizar uma investigação pioneira que contribuirá para aumentar a literatura e gerar novas hipóteses e descobertas foi um importante argumento para seguir com o projeto”, afirma o pesquisador.

A hipertensão é uma condição altamente prevalente e um fator de risco para o desenvolvimento de outras doenças - Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Victor também pontua a relevância de estudar doenças cardiovasculares como a hipertensão, condição que será analisada em sua pesquisa. “A hipertensão é uma condição altamente prevalente, além de ser um fator de risco para o desenvolvimento de outras doenças cardiovasculares e, até mesmo, do câncer. Dessa maneira, o desenvolvimento de estratégias para realizar o diagnóstico e de novos tratamentos, como o exercício físico, é de extrema importância para a população em geral”, comenta.

Parte da pesquisa será realizada com animais, com a análise da expressão de RNAs circulares em quatro grupos, sendo dois grupos de animais hipertensos (treinados e sedentários) e dois grupos de animais saudáveis (treinados e sedentários), utilizados como controle. Depois, a ideia é coletar sangue de indivíduos hipertensos e saudáveis, ou mesmo utilizar informações existentes em banco de dados, para comparar os resultados em humanos. Assim, será possível especular a possibilidade de propor um fármaco que mimetize a expressão de RNA circular modulada pelo exercício físico.

O artigo de revisão também conta com a autoria de Noemy Pinto Pereira, Tiago Fernandes e Edilamar Menezes Oliveira. Intitulada “Circular RNAs as a Diagnostic and Therapeutic Target in Cardiovascular Diseases”, a pesquisa foi publicada no International Journal of Molecular Sciences e encontra-se disponível por meio do link: https://www.mdpi.com/1422-0067/24/3/2125

 
Ordem: 
10

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