Exercício físico regula mecanismos moleculares característicos da obesidade

Longe de ser apenas uma condição estética ou simples questão de acúmulo de gordura, a obesidade está relacionada a inúmeros fatores e processos fisiopatológicos. As alterações causadas pela condição interferem em todo o organismo, inclusive em seus mecanismos celulares e moleculares. Se, por um lado, a perda de peso nem sempre é fácil ou mesmo possível, o exercício físico pode atenuar muitos efeitos negativos da obesidade, até mesmo considerando alterações observadas em níveis microscópicos. 

Exercício físico pode atenuar muitos efeitos negativos da obesidade, inclusive em níveis microscópicos. Foto: Freepik

Alterações moleculares na obesidade

Diante da ingestão de alimentos hipercalóricos em excesso, as células que acumulam gordura, chamadas células adiposas, começam a crescer (sofrer hipertrofia) e se dividir (hiperplasia). Em meio a esse fenômeno, ocorre a modulação de diversos microRNAs, que são pequenas moléculas que não codificam proteínas e são responsáveis por regular RNAs mensageiros-alvo. Assim, os microRNAs modificam a sinalização molecular em diversas células, promovendo, a longo prazo, processos fisiopatológicos em muitos órgãos no corpo humano. No contexto da obesidade, muitos microRNAs apresentam o padrão de expressão diferente de pessoas não obesas.

No contexto da obesidade, muitos microRNAs apresentam o padrão de expressão diferente de pessoas não obesas. Crédito: Freepik

Esses microRNAs atuam inibindo a expressão de determinados RNAs mensageiros (genes-alvo), que, por sua vez, são responsáveis pela produção de proteínas que atuam em todo o funcionamento do organismo. A regulação desses microRNAs afeta a expressão de genes patogênicos, associados ao risco de desenvolver doenças, e também de genes protetores, que  ajudam a reduzir esse risco. Isso acontece não somente na obesidade, mas também em diversas outras enfermidades. Desta forma, genes associados a doenças cardiovasculares são afetados pela obesidade e podem levar a complicações desta natureza.

Regulação por meio do exercício físico

Uma revisão produzida por pesquisadores do Laboratório de Bioquímica e Biologia Molecular do Exercício, sob orientação da Profa. Dra. Edilamar Menezes de Oliveira, apontou que o exercício físico atua de forma oposta à obesidade na modulação desses genes.  É o caso do microRNA-126, cujo um dos alvos é o gene PI3KR2, que atua na formação de novos vasos sanguíneos (angiogênese). Com a expressão do microRNA-126 diminuída na obesidade, o gene PI3KR2 é aumentado, o que inibe a angiogênese. Já o exercício físico aumenta a expressão do microRNA em questão, o que, em suma, favorece o processo de formação de novos vasos sanguíneos. 

Figura mostra ações opostas da obesidade e do exercício físico. Clique aqui para visualizar ampliada. Crédito: Retirada do próprio artigo. 

Da mesma forma, a modulação do MicroRNA 29c na obesidade afeta o processo de fibrose, causando o aumento de colágeno no coração, o que reduz sua eficiência ao bombear sangue para o corpo. Isso acontece porque a obesidade diminui a expressão desse microRNA, aumentando a expressão do gene colágeno-1. O fenômeno pode levar ao remodelamento do coração, conhecido como cardiomiopatia da obesidade. Já o exercício físico atua de forma contrária, aumentando a expressão do microRNA 29c e diminuindo a expressão do colágeno-1, atenuando a fibrose cardíaca, o que, por sua vez, melhora a função cardíaca. 

Modulação de microRNAs é feita de forma dinâmica

Os resultados apontam para o fato de que o exercício físico atua de forma a regular contrariamente os microRNAs afetados pela obesidade, diminuindo seus efeitos negativos. Ainda são necessários mais estudos clínicos, já que a maior parte dos artigos apresentou resultados advindos de modelos animais. Mas é seguro afirmar que esses benefícios são obtidos em humanos, e de forma relativamente dinâmica. 

Uma refeição hipercalórica já pode levar à modulação de microRNAs de forma prejudicial. Crédito: Cecília Bastos/Usp Imagens

“O microRNA é modulado não somente de forma crônica, mas também de forma aguda, depois de uma sessão de exercícios físicos, por exemplo. Ao manter essa modulação durante um período de tempo, o indivíduo vai induzir a ativação ou inibição de algumas vias de sinalização molecular. A longo prazo, isso pode gerar um impacto benéfico em diversos órgãos”, afirma o pós-doutorando Alex Cleber Improta-Caria, autor principal da publicação. Da mesma forma, explica o pesquisador, um comportamento danoso à saúde, como uma refeição hipercalórica, também pode levar rapidamente à modulação dos microRNAs de forma prejudicial.

Exercícios como a natação podem ser mais indicados para obesos, devido ao menor impacto nas articulações. Crédito: Freepik

Embora cada um dos artigos analisados tenha adotado um protocolo diferente, é possível que esses resultados benéficos sejam obtidos, em humanos, com a realização de exercícios físicos de acordo com os padrões estabelecidos pela OMS (150 minutos semanais). Também devem ser consideradas as especificidades de cada um. Segundo o pesquisador, por exemplo, pode ser mais adequado ao indivíduo obeso praticar natação ou bicicleta em vez da esteira, por serem exercícios aeróbios de menor impacto para as articulações. 

O artigo de revisão, intitulado “MicroRNAs regulating pathophysiological processes in obesity: the impact of exercise training”, foi publicado na revista Current Opinion in Physiology e pode ser acessado em:  https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S2468867323000184?via%3Dihub

 

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