Nadadores brasileiros apontam fatores que influenciaram seu desenvolvimento esportivo

Estudo da EEFE-USP analisou pontos positivos e deficiências a serem melhoradas para atingir o desempenho de ponta

A natação brasileira nos Jogos Olímpicos de Paris 2024 apresentou um resultado abaixo do desejado pelos fãs do esporte. A delegação brasileira, composta por 18 atletas, foi a menor desde Sydney 2000. O Brasil disputou quatro finais (três femininas e uma masculina), mas não conquistou nenhuma medalha na modalidade, apesar de importantes feitos individuais com Guilherme Costa, Mafê Costa, Beatriz Dizotti e no revezamento feminino.

Guilherme Costa bateu recorde Pan-Americano nos 400m livre. Foto: Satiro Sodré/SSPRESS/CBDA

O resultado coletivo da natação brasileira em Paris pode não ter sido satisfatório, mas a modalidade já trouxe muitas conquistas ao Brasil, sendo uma das que mais contribuiu com medalhas olímpicas para o país. O desempenho da natação brasileira depende de múltiplos fatores que afetam os resultados dos atletas nas piscinas.

Uma pesquisa da EEFE-USP realizada por Bruna Lindman Bueno sob a orientação da Profa. Dra. Flávia da Cunha Bastos, buscou elucidar esses fatores a partir do ponto  de vista dos próprios nadadores e da análise de suas trajetórias esportivas. 

 

Desenvolvimento esportivo com restrição geográfica

Na primeira etapa do trabalho, a pesquisadora estudou o perfil populacional e socioeconômico das cidades onde se deu o desenvolvimento esportivo dos nadadores que participaram dos Jogos Olímpicos desde 2000. Os resultados indicam que os principais clubes do país estão localizados na região Sudeste, em cidades populosas e povoadas, com altos índices de desenvolvimento humano e econômico. 

Isso quer dizer que, para elevar o patamar e atingir o alto rendimento, esses atletas  precisam migrar sua vida e desenvolver suas carreiras em clubes localizados em alguma grande capital do sudeste (Belo Horizonte, São Paulo e Rio de Janeiro). Essa concentração traz limitações para o desenvolvimento da modalidade. De acordo com a pesquisadora, “a existência de centros de treinamento espalhados em outras regiões do Brasil poderia contribuir para que jovens talentosos tivessem maiores oportunidades de desenvolvimento”. 

Piscina externa do Esporte Clube Pinheiros em São Paulo. Foto: Divulgação / ECP
 

Ao se mudar, o atleta pode perder o apoio familiar, que foi um fator muito citado pelos nadadores como um ponto essencial da sua trajetória. Uma estratégia adotada por países com dimensões geográficas similares ao Brasil é criar uma rede estruturada de clubes e instalações esportivas em pontos estratégicos do território visando atingir uma maior quantidade de praticantes e potencializar o desenvolvimento da modalidade.

 

Entrevistas com os atletas

Na segunda etapa do estudo, a pesquisadora entrevistou 23 nadadores(as) brasileiros(as) que foram semifinalistas e/ou finalistas em Jogos Olímpicos de 2000 a 2020. Por meio de entrevistas semiestruturadas, a ideia foi identificar os fatores apontados por eles como determinantes em sua trajetória de sucesso. 

Fatores pouco desenvolvidos

Na opinião dos entrevistados, alguns fatores ainda são deficientes no Brasil, tais como: fomento à natação de base, gestão das organizações esportivas, convergência entre educação e esporte, quantidade e qualidade das instalações esportivas, competitividade dos campeonatos nacionais, dentre outros. Os fatores que afetaram negativamente suas trajetórias foram: a falta de suporte para conciliar estudos e esporte, a falta de apoio psicológico, treinamentos inadequados e lesões. 

Especificamente em relação à infraestrutura, relatou-se uma certa dificuldade em encontrar instalações adequadas para garantir o acesso à modalidade, sobretudo visando à massificação da natação de base. Já no alto rendimento, muitos atletas contam com o apoio de clubes e das Forças Armadas. Por um lado, esse apoio é visto como um fator positivo que contribui para o desenvolvimento das carreiras esportivas. Por outro lado, é possível que se crie uma relação de dependência do atleta com essas instituições.

Atletas relataram dificuldades em se encontrar instalações adequadas para se garantir o acesso à modalidade. Foto: Satiro Sodré/SSPress/CBDA

Os atletas apontam também que os campeonatos nacionais não possuem o mesmo padrão e o mesmo nível de competitividade que os eventos internacionais. Por isso, torna-se essencial participar das competições internacionais para atingir o alto rendimento. Porém, muitos sinalizam as dificuldades logísticas e financeiras para isso. 

Um fator cultural mencionado pelos entrevistados é o modo como se enxerga o esporte, nem sempre tido como um instrumento de saúde, educação e bem-estar social. Esse aspecto pode estar relacionado à falta de convergência entre os sistemas educacional e esportivo. Na maioria das vezes, o jovem atleta precisa optar entre seu desempenho nos estudos ou seus resultados nas piscinas. Na opinião da pesquisadora, atentar a esse fator deve ser um primeiro passo para o fortalecimento de uma cultura esportiva no país. 

Equipe brasileira nos Jogos Panamericanos 2023. Foto: Satiro Sodré/SSPress/CBDA

O fomento ao esporte de base também é apontado como um ponto a se melhorar no país, envolvendo uma contínua e sistematizada formação de atletas. Esse pilar engloba as diversas etapas de desenvolvimento esportivo desde a iniciação esportiva em clubes locais, academias, projetos sociais e sistema S à transição para grandes clubes esportivos do país em busca do alto rendimento.

Aspectos positivos da natação brasileira

Alguns fatores se destacaram nas entrevistas por serem considerados aspectos positivos na natação brasileira pelos atletas. Dentre eles, foram citados o apoio de profissionais capacitados, a presença de equipe multidisciplinar e o suporte financeiro. Em suas trajetórias, os nadadores creditaram seu desempenho a diversos fatores, incluindo a iniciação esportiva diversificada, a atuação junto a um grande clube, apoio familiar e o bom relacionamento com seus pares.

Equipe multidisciplinar e bom relacionamento com os pares foram alguns dos aspectos positivos apontados pelos atletas. Foto: Satiro Sodré/SSPress/CBDA

Na opinião dos entrevistados, há excelentes técnicos e treinadores no Brasil, que são responsáveis pelo desenvolvimento de nadadores de sucesso no país. Porém, alguns ressaltam a necessidade desses profissionais buscarem o constante aperfeiçoamento e a busca pelo aprimoramento de habilidades que ajudem a liderar e motivar a equipe. Os atletas também consideram positiva a atuação de equipes multidisciplinares, com profissionais de diversas áreas atuando em prol da performance esportiva. Entretanto, essa realidade ainda é muito restrita aos grandes clubes. 

No quesito suporte financeiro, o Brasil tem avançado com programas governamentais como o Bolsa Atleta e a Lei Agnelo Piva, que direciona 2,7% da arrecadação das loterias federais, sobretudo ao Comitê Olímpico do Brasil e ao Comitê Paralímpico Brasileiro. Apesar do montante significativo de recursos, a gestão e aplicação deste recurso ainda é problemática. De acordo com a pesquisadora, embora a gestão esportiva no país tenha melhorado nos últimos anos, ainda há muito o que ser aprimorado na administração dos recursos. 

Desempenho da natação brasileira exige planejamento e ações de longo prazo

Todos esses fatores podem ser melhorados, acarretando em resultados cada vez melhores nas competições se houver um projeto bem planejado e executado pelas organizações que comandam o esporte. Este pilar envolve a coordenação e definição de responsabilidades das entidades envolvidas com o esporte no país, a comunicação eficaz entre essas organizações, o planejamento de ações de longo prazo e o direcionamento de recursos.

O nadador Fernando Scheffer, medalha de bronze nos 200 metros livre em Tóquio. Foto: Satiro Sodré/SSPress/CBDA
 

“A partir das falas dos atletas, conclui-se que ainda há muito espaço para avanços relacionados à organização e à gestão das entidades esportivas brasileiras e da natação especificamente. Este talvez ainda seja o principal desafio para o esporte do Brasil atualmente”, comenta a pesquisadora.

A pesquisa integrou a Dissertação de Mestrado de Bruna, intitulada “Natação brasileira de alto rendimento: Identificação dos fatores de sucesso a partir da trajetória dos atletas”. O trabalho completo está disponível no Banco de Teses da USP e pode ser acessado pelo seguinte link: 

https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/39/39136/tde-29052024-151432/pt-br.php

 

Editoria

Desenvolvido por EEFE-USP