Pesquisa analisa tática no futebol feminino

Durante quatro décadas, as mulheres foram proibidas de jogar futebol no Brasil devido ao  decreto-lei 3.199 de 14 de abril de 1941, que vetava a prática de esportes considerados, na época, incompatíveis com a fisiologia feminina. A situação mudou somente em 1983, com a regulamentação do futebol feminino no país.

Devido a esse atraso em relação ao futebol masculino, as jogadoras lidam, ainda hoje, com a falta de investimentos e visibilidade, inclusive na produção científica. Porém, essa realidade tem começado a mudar no meio acadêmico. Na EEFE-USP, o mestrando Thomas Kisil Marino realiza pesquisa sobre a modalidade sob o ponto de vista dos sistemas dinâmicos, a fim de compreender melhor a dinâmica de criação de perturbações, ou seja, ações que colocam o ataque em condições de vantagem.

Durante quase 40 anos, as mulheres foram proibidas de jogar futebol no Brasil - Foto: Marcos Santos/USP Imagens

A análise sobre o comportamento tático

 Estudos que se utilizam do racional teórico dos sistemas dinâmicos para a compreensão das dinâmicas técnico-táticas no futebol têm ampla discussão por pesquisadores da Ciência do Esporte. Contudo, quando se trata das equipes femininas, pouco se encontra sobre o assunto. Dentro dessa realidade, o mestrando resolveu estudar jogos a partir dessa abordagem, explorando a emergência de perturbações, ou seja, as ações responsáveis pela mudança no andamento da partida, caracterizada pelo momento em que o ataque ganha vantagem sobre a defesa.

Foram analisadas 13 partidas da UEFA Women’s Champions League 2021-22. A competição foi escolhida por contemplar a elite do futebol feminino e também pela facilidade de acesso ao material. As disputas estudadas envolveram das quartas de final até o último jogo, que decidiu as vencedoras. Todas as transmissões estão disponíveis no YouTube, com acesso público, pelo canal DAZN Women's Football.

O pesquisador analisou os jogos da UEFA Women’s Champions League 2021-22, elite do futebol feminino - Foto: DAZN Women's Football/YouTube

O tema central da pesquisa de Marino é relativamente novo até mesmo para os estudos sobre o futebol masculino. Durante uma partida, existem momentos de estabilidade e instabilidade. A perturbação acarreta na transição de fase, momento em que a estabilidade da relação entre ataque e defesa é perdida, surgindo um novo padrão de organização das jogadoras.

As perturbações podem ser um passe, um drible, uma condução de bola ou até mesmo uma combinação entre essas três ações, podendo levar a diversos desfechos ou estados finais, como por exemplo uma finalização, uma falta defensiva, um desvio defensivo, entre outros. Além disso, o trabalho inovador de Marino é focado no comportamento coletivo e não no indivíduo, e analisa a conectividade entre as zonas (regiões) do campo nas quais as perturbações emergem e a transição de fase ocorre.

Momento de jogo Brasil X Panamá na Copa do Mundo Feminina 2023. Foto: Thais Magalhães/CBF

No início, com o intuito de comprovar a confiabilidade do método adotado em seu estudo, Marino contou com a ajuda de um colega para realizar a análise das partidas. Eles assistiam aos jogos, anotando quando e em que zona do campo aconteciam as perturbações e depois comparavam para verificar se as constatações se assemelhavam.

 Após se certificar que a confiabilidade entre os avaliadores era forte, Marino fez o mesmo processo sozinho, comparando suas próprias observações ao longo do período de coleta. Quando foi possível certificar a eficácia do método, ele seguiu com o processo e hoje investiga a amostra para chegar aos resultados finais. 

O desinteresse pela prática esportiva feminina e a importância de preencher essa lacuna

Por anos, questões culturais afastaram as mulheres de diversas práticas esportivas e isso se reflete de diversas formas no cenário atual. Por isso, é essencial que os estudos sobre as modalidades esportivas femininas estejam cada vez mais presentes na academia. Marino afirma ter escolhido o tema para trazer visibilidade à análise de jogo no futebol feminino e influenciar outras pessoas a estudarem o assunto. 

Aluna EEFE na aula da disciplina Futebol I. Foto: Paula Bassi.

“Esse tipo de abordagem raramente traz atletas mulheres como foco do problema, com isso, há mais espaço e oportunidades para desenvolver pesquisas. Ainda existem muitas respostas que precisamos encontrar, e elas servirão não só para pesquisadores, mas também para técnicos e outros profissionais do esporte”, pontuou.

Embora a popularidade do futebol feminino ainda esteja aquém do masculino, a audiência dos jogos tem apresentado aumento consistente nos últimos anos. Reflexo disso são os recordes alcançados pela Copa do Mundo Feminina. Marino acredita que isso repercutirá nas produções científicas e o tema ganhará cada vez mais espaço.

Momento de jogo Brasil X Panamá na Copa do Mundo Feminina 2023. Foto: Thais Magalhães/CBF

A pesquisa, intitulada provisoriamente "Perturbações no futebol feminino: origens, causas e desfechos”, é orientada pelo Prof. Dr. Alexandre Moreira. Os resultados parciais foram apresentados em exame de qualificação no dia 17/08/2022 e a defesa final está prevista para o final deste ano. 

 

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