Relação entre corpo e ambiente inspira praticantes da escalada tradicional

Ao longo de sua existência, os seres humanos associaram diversos símbolos aos elementos da natureza, tornando-os parte de seu imaginário. Esses símbolos são capazes de impulsionar desejos e ações. As montanhas estão presentes em mitologias de várias culturas, relacionando-se com o divino e o heróico. Refletindo sobre essas representações, um estudo da EEFE-USP investigou o imaginário da escalada tradicional e como ela inspira escaladores em sua relação com o meio ambiente.

O imaginário sobre as montanhas inspira alpinistas em sua relação com o meio ambiente - Foto: Eric Sioji Ito

Entrevista com alpinistas e revisão histórica sobre a simbologia de montanhas e da escalada

A escalada tradicional, foco da pesquisa, é caracterizada pelo uso de equipamentos móveis, que são presos diretamente nas rochas, em fissuras e outras características naturais, e depois removidos. A prática difere da escalada esportiva, que utiliza equipamentos fixos, previamente instalados.

A escalada tradicional é caracterizada pelo uso de equipamentos móveis. Foto: Eric Sioji Ito

O estudo contou com uma pesquisa de campo etnográfica, feita no ano de 2019, em Cochamó, na Patagônia Chilena, e Frey, na Patagônia Argentina. O local foi escolhido por ser frequentado por escaladores de diferentes nacionalidades e níveis de experiência. O processo durou 44 dias e foi realizado por um pesquisador associado ao estudo que também praticava escalada.

No total, 14 pessoas foram entrevistadas, sendo nove homens e cinco mulheres, entre 20 e 45 anos e provenientes de diferentes países (Brasil, Chile, Argentina, Estados Unidos, Inglaterra e Irlanda). As entrevistas eram realizadas nos acampamentos onde os participantes estavam instalados. Os depoimentos foram gravados em vídeo, transcritos e depois repassados aos participantes para conferir possíveis erros. 

 As entrevistas eram realizadas nos acampamentos onde os participantes estavam instalados. - Foto: Eric Sioji Ito

As perguntas feitas nas entrevistas eram direcionadas de forma a estimular escaladores a descrever sua experiência e percepção sobre o ambiente montanhoso, levando em consideração a perspectiva histórica e filosófica sobre a escalada e o imaginário.

A relação entre os mitos e as montanhas é algo antigo. A pesquisa apontou duas representações principais em épocas distintas. Para os povos ancestrais, as montanhas simbolizavam um lugar sagrado, que aproximava-se do divino e era capaz de transformar o ser.

Para os povos ancestrais, as montanhas simbolizavam um lugar sagrado, que aproximava-se do divino e era capaz de transformar o ser. Foto: Eric Sioji Ito

Já no século XVIII, com a Revolução Industrial e os ideais iluministas, a escalada passou a ser vista como um feito heróico, uma conquista por parte dos escaladores que venciam o combate à montanha. Segundo referências analisadas, essas duas imagens compõem o imaginário da escalada moderna. 

A partir da Revolução Industrial, a escalada passou a ser vista como um feito heróico.  Foto: Eric Sioji Ito

Resultados da pesquisa e a relação entre o corpo e o meio ambiente

Analisando as entrevistas, a pesquisa identificou, inicialmente, duas imagens centrais. A primeira remete à ideia da conquista, quando  escaladores falam sobre as dificuldades e a luta da escalada. A segunda se refere ao conforto e aconchego decorrentes da admiração da paisagem, do lugar e da convivência com as outras pessoas.

Com base no referencial selecionado para compor a base teórica do estudo, as imagens de luta se relacionam com a estrutura diurna do imaginário e as de conforto com a estrutura noturna. Contudo, os resultados vão além dessa dicotomia e mostram a existência de uma relação íntima entre o corpo e o ambiente.

Resultados apontam para uma relação íntima entre o corpo e o ambiente. Foto: Eric Sioji Ito

À medida que o escalador torna-se mais experiente, cria também uma conexão com o local e seus habitantes. Essa familiaridade que surge entre a pessoa que está escalando e a montanha permite a aproximação entre o corpo e o ambiente, transformando a percepção de dificuldades, que usualmente eram descritas pelas imagens de confronto em imagens de ensinamento.

De acordo com a autoria do artigo, o estudo não apenas contribui para as investigações sobre o imaginário, mas também enriquece projetos ligados à prática de escalada e outros esportes de aventura e lazer. Além disso, abre espaço para futuras análises sobre os efeitos da relação corpo-ambiente e a interferência da imaginação humana nesse processo.

A aproximação entre o corpo e o ambiente transforma as imagens de confronto em imagens de ensinamento - Foto: Eric Sioji Ito

O estudo fez parte da Dissertação de Mestrado de Eric Sioji Ito, sob orientação da Prof.ª Dr.ª Ana Cristina Zimmermann (EEFE-USP) e foi publicado na revista World Leisure Journal. O artigo, intitulado “Between chaos and the cosmos: the imaginary of traditional climbing”, também conta com a coautoria da Profa. Dra. Soraia Chung Saura e pode ser acessado por meio do link: https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/16078055.2022.2125569

A Dissertação, intitulada "Escalada tradicional e Imaginário: devaneios da experiência", está disponível no Banco de Teses da USP: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/39/39136/tde-14052021-181722/pt-br.php

Ordem: 
10

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