Para além da perspectiva pragmática, o entusiasmo em praticar esporte vai muito além dos benefícios que as atividades físicas trazem ao corpo ou à recompensa de ganhar um campeonato. Ao atribuir significados e emoções às ações físicas e aos lugares onde são realizadas, os praticantes das modalidades esportivas as tornam mais representativas do que se fossem baseadas apenas em objetivos práticos.
Partindo desse pressuposto, a pesquisadora e velejadora Maria Altimira Hackerott, doutoranda na EEFE sob orientação da Profa. Dra. Soraia Chung Saura, relata sua experiência na navegação em foil, adotando um ponto de vista da fenomenologia da imagem. Em artigo publicado na revista científica Leisure Studies, ela parte de uma extensa base teórica para analisar suas significações e emoções, buscando entender e localizar de onde vem o entusiasmo com o esporte e com práticas de lazer.
O estudo foi conduzido durante seus treinos regulares realizados nos anos de 2018, 2019 e 2020, na Represa de Guarapiranga, navegando na classe nacra 17, uma embarcação de alta velocidade que integra os Jogos Olímpicos desde 2021, com a formatação que utiliza a tecnologia de 'foils'. Tecnologia esta que faz o veleiro 'decolar' na medida em que os cascos ficam suspensos e apenas os foils tocam na água. Ao longo dessas práticas, foram realizados registros sobre a experiência corporal de velejar, extraídos das observações diretas da autora e também por meio de diálogos com seu parceiro de treino, com quem compartilhava o barco.
De acordo com a pesquisadora, a percepção da vastidão da água e do ar é amplificada ao velejar de foil, o que pode dialogar intimamente com o velejador e despertar seu entusiasmo. “Quando ponderamos a imensidão do mar ou do céu, voltamo-nos para nós mesmos em um movimento que pode ser considerado paradoxal, porque, embora estejamos reagindo ao mundo exterior, essa reflexão revela um estado de presença que nos leva ao nosso interior”, reflete a pesquisadora.
A sensação de “liberdade” também é potencializada. Maria relata a sensação do vento intenso nos instantes em que o barco deixa de tocar a água à experiência de liberdade no próprio corpo: “Navegar com vela é um voo ativo, liberando a nós mesmos, não o barco, da gravidade e superando uma certa condição humana. Aqui, temos um poder sobre-humano revelado pela materialidade do ar”.
Essa materialidade do ar também é relacionada ao simbolismo de “Pureza e iluminação”. De acordo com a autora e beaseado nos estudos do imaginário, o ar e a verticalidade são atrelados ao conceito de pureza em diversas culturas: “o que sobe é puro, assim como o que é poderoso, é grande e alto. Tudo o que sobe é volátil e está muito próximo do puro e essencial”. Na medida em que a velocidade do barco pode proporcionar uma sensação de “voo” e proximidade com o céu, o que estimula o aprimoramento da prática para uma maior constância dessa sensação.
O estudo contou com a orientação da professora Soraia Chung Saura, co-autora do texto junto a professora Ana Cristina Zimmermann. As docentes coordenam o Grupo de Estudos PULA, que atua há mais de 10 anos no campo da Filosofia do Esporte, contribuindo para adensar os debates no campo da atividade física, esporte e lazer.Para visualizar o artigo completo, acesse o link:
https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/02614367.2023.2182343
A dissertação de mestrado da doutoranda também está disponível no Banco de Teses da USP: https://teses.usp.br/teses/disponiveis/39/39136/tde-22112018-094942/pt-br.php
